18 dezembro, 2007

Feels like home...

Agora, todos os dias são assim. Tenho um desejo insano de chegar a casa, tirar a maquilhagem da cara, descalçar os sapatos e procurar o silêncio que não existe na minha vida profissional. Um desejo absurdo que às vezes é tão intenso que quase me dói fisicamente. As horas passam, depois de um compromisso vem outro. E mais outro. Depois de uma tarefa há sempre qualquer coisa que se não for cumprida porá em risco o trabalho de outras pessoas. E, por fim, já é possível fugir e procurar abrigo.
No carro, imagino a sensação de plenitude que me dará o facto de ter a cintura liberta para uma calças largas, o toque macio de um pijama, a alegria simples de meter o corpo cansado no duche. Corro para casa para executar o plano. A tinta sai, os sapatos saltam, a roupa da rua fica abandonada na cadeira do quarto.
Com a cara limpa, o corpo esfregado e a alma sôfrega procuro o derradeiro elemento, essencial para restabelecer o meu equilíbrio.


Júlia Pinheiro, in Revista Máxima

17 dezembro, 2007

Percurso



Viajaste
sob árvores sem sombra.

Pisaste
a carne da pedra,
rasgaste
o fio da água.

E aprendeste:
o teu gesto
não é destinado a ter dimensão.

Agora, sabes:
teus braços foram feitos
para abraçar horizontes.

És maior que o voo do sono.
E voltas a ser nada
quando infinito te pensas.


Mia Couto



11 dezembro, 2007

Canção contra o destino


Se é para morrer

quero morrer muitas vezes,

mais do que as que soube ter vivido

e fui eterno sem o saber.

Se é para morrer

morrerei tantas vezes

que entre corpo e tempo

minha alma perderá caminho.

E morrerei

de tudo, em cada instante.

Morrerei até de ser árvore,

renascendo em estação

para além do tempo, para além da luz.

Se é para morrer

que seja de amor:

tanto e sempre

que não será derradeira a última vez.

Mia Couto

Um Amor Atrevido


Sabes que é só quereres. Que, entre os silêncios e as palavras meias, basta uma destas, calibrada para a rendição e o assentimento. Que é mais do que suficiente, o exagerares o riso ou o alargares o passo na minha direcção. Uma carta à maneira antiga empertigada num selo; um telefonema, uma mensagem abreviada em que os polegares se te fugiram e foste longe de mais. Sabes que me chega e sobra, um abraço que evites apertado ou um beijo na cara a resvalar para a boca, embalando-me os sentidos atentos com promessas cumpríveis. É só quereres, e eu caio-te nos braços com amplitude teatral, deixando que me dissolvas a pele com a língua e que a tua vontade impere por fim em mim numa fúria totalitária, mas doce. Sabes que uma palavra, apenas, me serve, ainda que desgarrada, truncada, encriptada e incorrecta; ou mesmo fugitiva e vagabunda, solta num grito de alforria. Espero um dia ser um alegre capricho teu e o objecto da tua preferência irresponsável, sujeita a critérios desmedidos. O meu desejo é circular e redundante: acaba sempre por voltar a casa e tem saudades, como um soldado ferido. É só quereres, e deixarei que me confundas com o rebentar das ondas e que contabilizes e anotes, com astúcia de merceeiro e intuitos de salva-vidas, os rodopios do meu corpo em despejo sobre o teu. Eu, vinda e ida na sétima, às vezes na quadragésima, encharcando-te, desprevenido. É só quereres (sabes). E eu quero que tu o queiras (sabê-lo-ás?).



In http://www.umamoratrevido.blogspot.com/


08 dezembro, 2007

Sem depois



Todas as vidas gastei

para morrer contigo.

E agora

esfumou-se o tempo

e perdi o teu passo

para além da curva do rio.

Rasguei as cartas.

Em vão: o papel estava intacto.

Só os meus dedos murcharam, decepados.

Queimei as fotos.

Em vão: as imagens restaram incólumes

e só os meus olhos

se desfizeram, redondas cinzas.

Com que roupa

vestirei minha alma

agora que já não há domingos?

Quero morrer, não consigo.

Depois de te viver

não há poente

nem o enfim de um fim.

Todas as mortes gastei

para viver contigo.


Mia Couto

05 dezembro, 2007

Coisas que eu sei...




Eu quero ficar perto de tudo que acho certo
Até o dia em que eu mudar de opinião
A minha experiência, meu pacto com a ciência
O meu conhecimento é minha distração

Coisas que eu sei
Eu adivinho sem ninguém ter me contado
Coisas que eu sei
O meu rádio relógio mostra o tempo errado
Aperte o 'Play'

Eu gosto do meu quarto, do meu desarrumado
Ninguém sabe mexer na minha confusão
É o meu ponto de vista, não aceito turistas
Meu mundo 'tá' fechado pra visitação

Coisas que eu sei
O medo mora perto das idéias loucas
Coisas que eu sei
Se eu for eu vou assim não vou trocar de roupa
É minha lei

Eu corto os meus dobrados
Acerto os meus pecados
Ninguém pergunta mais, depois que eu já paguei
Eu vejo o filme em pausas
Eu imagino casas
Depois eu já nem lembro do que eu desenhei

Coisas que eu sei
Não guardo mais agendas no meu celular
Coisas que eu sei
Eu compro aparelhos que eu não sei usar
Eu já comprei

As vezes dá preguiça
Na areia movediça
Quanto mais eu mexo mais afundo em mim
Eu moro num cenário
Do lado imaginário
Eu entro e saio sempre quando 'tô' a fim

Coisas que eu sei
As noites ficam claras no raiar do dia
Coisas que eu sei
São coisas que antes eu somente não sabia

Agora eu sei...
Danni Carlos

01 dezembro, 2007

Um filmaço!

Ninguém costumava prestar atenção a Frank Lucas (Denzel Washington), o pacato condutor de um dos chefes do crime organizado da cidade, mas quando, de repente, o patrão morre, Frank aproveita a brecha na estrutura para construir o seu próprio império e criar a sua versão do sonho americano. Por via da ingenuidade e de uma estrita ética de negócio, acaba por liderar o cartel da droga da cidade, inundando as ruas com produto mais puro e a melhor preço. Lucas elimina as mais importantes organizações criminosas e torna-se um dos maiores corruptores.
Richie Roberts (Russell Crowe) é um polícia das ruas que sente a mudança de controlo no submundo da droga e acredita que alguém subiu do nada na hierarquia da máfia para controlar tudo. Lucas e Roberts fazem uso de um código ético que os deixa à parte dos companheiros, o que os torna figuras isoladas em lados opostos da lei. Os seus destinos vão juntar-se à medida que se aproxima o confronto decisivo, de que apenas um sairá vencedor.