25 maio, 2008



















Minha garganta estranha quando não te vejo
Me vem um desejo doido de gritar
Minha garganta arranha a tinta e os azulejos
Do teu quarto, da cozinha, da sala de estar

Venho madrugada perturbar teu sono
Como um cão sem dono me ponho a ladrar
Atravesso o travesseiro, te reviro pelo avesso
Tua cabeça enlouqueço, faço ela rodar

Sei que não sou santa, às vezes vou na cara dura
Às vezes ajo com candura pra te conquistar
Mas não sou beata, me criei na rua
E não mudo minha postura só pra te agradar

Vim parar nessa cidade, por força da circunstância
Sou assim desde criança, me criei meio sem lar
Aprendi a me virar sozinha,
e se eu tô te dando linha é pra depois te abandonar


Música - Ana Carolina

24 maio, 2008

Para atravessar contigo o deserto do mundo...













Para atravessar contigo o deserto do mundo
Para enfrentarmos juntos o terror da morte
Para ver a verdade, para perder o medo
Ao lado dos teus passos caminhei
Por ti deixei meu reino, meu segredo
Minha rápida noite, meu silêncio
Minha pérola redonda e seu oriente
Meu espelho, minha vida, minha imagem
E abandonei os jardins do paraíso...
Cá fora, à luz sem véu do dia duro,
Sem os espelhos, vi que estava nua
E ao descampado se chamava tempo
Por isso com teus gestos me vestiste
E aprendi a viver em pleno vento

Sophia de Mello Breyner Andresen
Livro Sexto (1962)