18 setembro, 2010



















Quem me quiser há-de saber as conchas
a cantiga dos búzios e do mar.
Quem me quiser há-de saber as ondas
e a verde tentação de naufragar.

Quem me quiser há-de saber as fontes,

a laranjeira em flor, a cor do feno,
a saudade lilás que há nos poentes,
o cheiro de maçãs que há no inverno.

Quem me quiser há-de saber a chuva

que põe colares de pérolas nos ombros
há-de saber os beijos e as uvas
há-de saber as asas e os pombos.

Quem me quiser há-de saber os medos

que passam nos abismos infinitos
a nudez clamorosa dos meus dedos
o salmo penitente dos meus gritos.

Quem me quiser há-de saber a espuma

em que sou turbilhão, subitamente
- Ou então não saber coisa nenhuma
e embalar-me ao peito, simplesmente.


Rosa Lobato Faria

03 setembro, 2010

De um Amor Morto













De um amor morto fica
Um pesado tempo quotidiano
Onde os gestos se esbarram
Ao longo do ano

De um amor morto não fica
Nenhuma memória
O passado se rende
O presente o devora
E os navios do tempo
Agudos e lentos
O levam embora

Pois um amor morto não deixa
Em nós seu retrato
De infinita demora
É apenas um facto
Que a eternidade ignora


Sophia de Mello Breyner Andresen, in "Geografia"