26 março, 2006

Adeus!

Já gastámos as palavras
pela rua, meu amor,
e o que ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio:
Gastámos os olhos
Com o sal das lágrimas
Gastámos as mãos
à força de as apertarmos.
Gastámos os relógios e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras
E não encontro nada.
Antigamente, tínhamos tanto para dar
um ao outro.
Era como se todas as coisas
fossem minhas: quanto mais te dava
Mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: "Os teus olhos
são peixes verdes" e eu acreditava.
Acreditava porque, a teu lado,
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos.
Era no tempo em que o teu corpo
era um aquário.
Era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Agora são só os meus olhos.
É pouco, mas é verdade.
Uns olhos como tantos outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo "meu amor"
já se não passa absolutamente nada.
E, no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza de que
todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Já não temos nada para dar
um ao outro.
No teu corpo,
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

Eugénio de Andrade

1 comentário:

Anónimo disse...

Adoro esse poema de Eugénio de Andrade...

E o mar...

Bem, é sempre o Mar...
Dascoisas que mais me tranquiliza...

Beijos*